STJ decide que Rol da ANS é Taxativo! Mas será que realmente é?

01/07/2022

Larissa Moratto

Artigo

Larissa Magalhães Moratto Dias(1)
João Eduardo Gaspar Gomes Nogueira(2)
Isabela Cristina Pereira(3)

A discussão acerca da taxativamente ou exemplificabilidade do Rol de procedimentos e eventos em saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS perdura há anos nos corredores das operadoras de saúde e demais participantes do mercado de saúde suplementar, tendo, inclusive, chegado aos tribunais pátrios, dada a divergência de entendimento entre as operadoras e os beneficiários dos planos de saúde acerca o caráter taxativo ou não do referido Rol.

Mas o que é esse rol? O rol de procedimentos da ANS é uma lista, atualizada a cada 2 anos pela agência, em que constam os tipos de tratamentos, tecnologias ou procedimentos e outros eventos que as operadoras de planos de saúde são obrigadas a cobrir. O rol refere-se tão somente a procedimentos, e não a doenças, uma vez que cobertura de doenças e cobertura de procedimentos são coisas distintas.

Conforme expôs o Dr. Luiz Fernando Figueiredo ,em entrevista para o E-book “Semana da Saúde 2022” :

“Uma coisa é a cobertura da doença, e outra é a cobertura do procedimento, ou tratamento a ser aplicado. Importante conceituar que a cobertura integral se refere ao CID e não necessariamente aos recursos, ou tecnologias, empregadas para o tratamento à determinada moléstia. Um exemplo é que a doença, embora prevista na cobertura, talvez não tenha o transplante de órgão ou uma nova medicação para o câncer contemplada no Rol de Procedimentos. O denominado Rol, refere-se exatamente aos tipos de tratamentos, tecnologias ou procedimentos previstos como obrigatórios e que são atualizados a cada dois anos pela ANS. Está em aprovação um novo processo e periodicidade de atualização deste Rol, por pressão do mercado.”

O debate chegou a dividir opiniões em duas Seções do Superior Tribunal de Justiça, necessitando de um terceiro julgamento para “desempatar” a questão e colocar fim a discussão. Mas será que colocou mesmo?

Ao julgar os recursos de números EREsp 1.886.929 e EREsp 1.889.704, a segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça entendeu que o Rol de procedimentos e eventos em saúde da Agência Nacional de Saúde (ANS) é taxativo, com a possibilidade de cobertura de procedimentos não previstos na lista, não estando as operadoras de planos de saúde obrigadas a oferecerem cobertura de tratamentos não previstos na lista. Todavia, os Ministros fixaram parâmetros para que, em determinadas situações, as operadoras de planos de saúde custeiem procedimentos e eventos que não estejam previstos no rol, desde que tenham comprovação de órgãos técnicos e aprovação de instituições que regulam o setor.

Assim, na eventualidade de não existir tratamento terapêutico substituto ou de esgotados os procedimentos do rol da ANS, entendeu o STJ que a cobertura será devida, desde que:

a) não tenha sido indeferido expressamente, pela ANS, a incorporação do procedimento ao rol da saúde suplementar;
b) haja comprovação da eficácia do tratamento;
c) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (por exemplo, Conitec e Natjus) e estrangeiros; e
d) seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde, incluída a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça Federal, ante a ilegitimidade passiva ad causam da ANS.

Desta forma, verifica-se que ao decidir pela mitigação do Rol, a segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça perpetua o já existente entendimento de que, mesmo que o procedimento do tratamento não esteja previsto, será necessário somente acionar o judiciário para conseguir o benefício deste direito, prejudicando, assim, a estabilidade das operadoras e da saúde suplementar.

Já no primeiro julgamento (EREsp 1.886.929), logo após decidir pela taxatividade, a Seção decidiu que o plano de saúde seria obrigado a custear tratamento não contido no Rol para um paciente com diagnóstico de esquizofrenia, e, no segundo (EREsp 1.889.704), que a operadora deve cobrir tratamento para uma pessoa com transtorno do espectro autista, porque a ANS já reconhecia a terapia ABA como contemplada nas sessões de psicoterapia do rol de saúde suplementar.

É possível perceber, na própria decisão do STJ, a fragilidade da decisão e a vulnerabilidade em que são colocadas as operadoras de planos de saúde por não terem, nem no Rol e nem no entendimento do judiciário, um entendimento concreto em que se pautar para decidir acerca dos casos.

De um lado, existe um Rol de procedimentos e eventos em saúde da ANS, em que consta com uma lista de tratamentos e procedimentos que são alterados a cada dois anos pela agência, acarretando instabilidade nas operadoras de planos de saúde, além de privilegiar determinados grupos estruturados, resultando em uma falta de previsibilidade atuarial ainda maior. De outro lado, temos um judiciário marcado por ativismo judicial, que, ao se deparar com questões sobre negativa de atendimento ou liberação de tratamento em razão de ausência de previsão no Rol da ANS, decide por liberá-lo com fundamento em “urgência” e “necessidade imediata”.

A falta de taxatividade do Rol cria uma insegurança ainda maior para as empresas que atuam no ramo da Saúde Suplementar, já que o rol da ANS é a base do cálculo da mensalidade do seguro, de modo que, ao torná-lo exemplificativo, dificulta-se a precificação dos planos de saúde pelas operadoras, pois não se sabe quais procedimentos e eventos serão obrigadas a cobrir aos beneficiários.

Isto posto, aumentam as dificuldades para as operadoras operacionalizarem os planos de saúde e seguros, em razão da imprevisibilidade das coberturas obrigatórias, o que, por si só, dificulta a precificação dos produtos pelas operadoras, inviabilizando a sua comercialização. Em razão da insegurança e imprevisibilidade, as operadoras de planos de saúde aumentam o preço dos produtos oferecidos, dificultando o acesso da população a planos de saúde.

Em publicação junto ao procurador da ANS, Daniel Tostes, realizada em 2021 pelo Conjur , Daniel ressaltou que todas as regras que regem o plano de saúde partem dessa medida estruturante do sistema suplementar (Rol da ANS). Assim, tornar o Rol exemplificativo, ou mesmo, seguir os moldes da decisão do Superior Tribunal de Justiça, aplicando a este uma taxatividade mitigada, traz prejuízos econômicos e procedimentais imensuráveis aos planos de saúde.

Corre-se o risco, portanto, de chegar um momento em que as pessoas poderão adquirir um plano sem se preocupar com a cobertura, posto que a judicialização resolverá o problema.

Desse modo, a decisão do Superior Tribunal de Justiça pela taxatividade mitigada, ao mesmo tempo em que defende a taxatividade do Rol, também abre espaço para o aumento imprevisível do Rol por meio de decisões judiciais, as quais, muitas vezes, obrigam a própria ANS a efetuar inclusões na lista de procedimentos. Assim, como qualquer movimentação do judiciário fará com que o Rol seja alterado e ampliado, sem respeito às coberturas previamente contratadas pelos beneficiários em face das operadoras de planos de saúde, a taxatividade do Rol passa a ser uma mera qualidade descolada da realidade.

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(1) Advogada formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Especialização em Direito Processual Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, em 2022. Membro do IBDFAM (instituto brasileiro de direito de família) e IBDCRIA (instituto brasileiro de direito da criança e do adolescente).

(2) Advogado formado pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP Franca. Pós-graduado em Direito Empresarial FGV-LAW em 2020.

(3) Advogada formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Especialização em Direito Processual Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, em 2022. Membro do IBDCRIA (Instituto Brasileiro de Direito da Criança e do Adolescente).

(4) Acesso em 30.06.2022 às 22h23min – http://www.ans.gov.br/index.php/planos-de-saude-e-operadoras/espaco-do-consumidor/737-rol-de-procedimentos%3E

(5) Médico com Residência em Administração Hospitalar e Sistemas de Saúde pelo PROAHSA da Faculdade de Medicina da USP e da Escola de Administração de Empresas da FGV. Fundou e presidiu a CRC consultoria e Administração em Saúde, foi VP Executivo da Divisão Saúde da Tempo Participações (Gama Saúde, Tempo Saúde Seguradora e Connectmed) e foi CEO da Benner Tecnologia e BPO em Saúde. É consultor convidado para projetos na área de administração em saúde junto a diversas entidades: Organização Panamericana de Saúde, Ministério da Saúde (Departamento de Saúde Complementar e criação da ANS), EAESP – FGV, FUNDAP, UNICAMP, ENSPTEC, entre outras.

(6) Disponível em: https://www.gpf.adv.br/#ebooks – Acesso em 01.07.2022 às 16h50min.

(7)   1. O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar é, em regra, taxativo;

2. A operadora de plano ou seguro de saúde não é obrigada a arcar com tratamento não constante do rol da ANS se existe, para a cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao rol;

3. É possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo contratual para a cobertura de procedimento extra rol;

(8) Acesso em 30.06.2022 às 23h34min – https://www.conjur.com.br/2021-ago-31/especialistas-debatem-previsibilidade-contratos-planos-saude

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